Pular para o conteúdo principal

3 poemas de Felipe Pauluk


aguarrás

tudo o que o ser humano quer
é um deus provisório
uma boca latente de língua grossa
argamassa nos buracos do peito
& aguarrás nos dentes
um asteroide queimando os lábios
fibras no café da manhã
duas tiras de micropore
na sobrancelha esquerda
& muita máscara
máscara para limpar poros
para arrancar cravos
desmanchar a epiderme
derreter a derme
e ferir a hipoderme
tudo o que o ser humano quer
é expor a brancura polida dos ossos de alguém
enosar as tripas no para-choque do foguete
e escrever no vidro de um santana:
"presente de deus"
antes de explodir a si mesmo.


**********

ruínas

eu tenho ruínas no peito
pois é um peito ensanguentado
é um cavalo na corda bamba
um mendigo solitário
enquanto você vai embora
minhas ruínas sangram
sangram os gozos da minha cama
& eu acendo um cigarro
& olho para tua íris
& vejo o reflexo do meu esqueleto
a minha barba rala
minhas rugas
e por fim
vejo que não existo mais
.
olho para teu rosto
& a tristeza escorre negra,
a lágrima lava células mortas
& você diz um adeus fodido.
um adeus tão fino
tão fino
tão fino
tão fino
que vamos sumindo
eu
e
você


**********

do mundo tenebroso

o resumo de um mundo tenebroso
& seus pedaços
cheios de colapsos internos
& escuridões cavernais
é o coração

um cais, um céu e um mar
um corpo dentro de um dilúvio
ou um dilúvio dentro do corpo

todas as zonas erógenas esquecidas
& calaram os velcros dos sepulcros
& rasgaram as telas pintadas
com mãos & lágrimas

vinde a mim
as criancinhas
pois delas é o inferno do céu


**********

Felipe Pauluk é um curitibano residente em Londrina. Jogou na loteria da vida e, numa quina, tirou o menor prêmio: a literatura. Lançou seu primeiro livro, 'Meu Tempo de Carne e Osso', em 2011. 'Hit The Road, Jack', romance, em 2012. Em 2015, foi lançado 'Town', último romance do autor. 'Comida di butequim' e 'Tórax de São Sebastião' foram seu dois livros de poemas publicados em 2016. Em 2017, 'Manual Prático de Perna Mecânica para Cantores' foi lançado pela BAR EDITORA. Felipe também é roteirista.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Marina Magalhães | três poemas

Prelúdios do afogamento. Para violino. Por fim, quando deixarás de alimentar os teus naufrágios? Me perguntaste sem saber que tripulação alguma deseja a própria morte. Nada podem fazer se a carcaça, já tão cheia de buracos, continua       sempre            a afundar.                   A marcha                   fúnebre faz                   glub.                   glub.                   g                   l                   u                   b. *********** Amor de prateleira Os dias vêm sobrando, transbordadas as horas pelo vidro. Tempo deixado em conserva é salgado demais p...

Beatriz Férre | três poemas

v irtuo sa reclusa, curvada sobre si mesma como a uma  harpa puxa cordas-tempo que vibram aço nylon e sangue e dúvida pirateando o sentir navegando o som talvez  tímida mas  sem pausa:  há somente o instante, janela para o outro, e seu corpo, a  jogar-se *** tussígeno um dia, trombetas soarão anunciando que é chegado o fim e que não há mais solidão ou pelo menos que há algo novo para nos infernizar até lá, é esse fardo - grito sem dono, carro, cubos de luz altos pessoas trancadas olho que vê sem ler  nada mão cheia sem ter  palma morte na capital no interior não sei te dizer  quando penso me engasgo prefiro a violência que não olho se olho não guardo olha aí já quero tossir - o mundo todo entalado  deus um dia engole esse nó que sou  em sua garganta divinal até lá, é mais do mesmo esse fardo *** toalha embaixo do corpo que é para não molhar o assento do carro corta o ar um segredo que carrega em si urgência. mas cuidado. o momento é de s...

Mariana Ferraz | quatro poemas

  reescritura o poeta como apóstolo da linguagem: no princípio era o verso, e o verso estava com deus, e o verso era deus. *** cromossômica enterneço, perpetuo: no equinócio de uma palavra, sou a senda íntima da noite e sei da dramaturgia das casas tanto como das lavouras e do tempo evanescente. pressinto, reverbero: no solstício sagrado das fornalhas, sou a espada revelada para o dia e sei da dilatação das letras tanto como dos ritos cênicos e da grande esfinge de gizé. *** mi delirio sobre el amor não precisei subir ao chimborazo para encontrar-me com o grande espírito: enquanto cruzava o rio do esquecimento, era esta, a voz que ouvia – nenhuma outra. *** centelha tanto a escrita como o fogo: arautos da revelação. *** Mariana Ferraz é escritora, historiadora e pessoa de teatro. É graduada, mestre e doutoranda em História pela Universidade de São Paulo – USP; possui especialização livre em Arte como Interpretação do Brasil pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paul...