Pular para o conteúdo principal

4 poemas de Aline Cardoso


Réquiem

Um corvo

Cantará no dia do nosso
Casamento
Uniremos carne e vida
Ao grito prometeico
De quem diz estar
Para sempre atado.
Fígado exposto
Feridas abertas
Vertendo o rubro
Amor de quem se dá
Cru à presa.

**********
Fênix

A urgência corrói

Minhas asas,
Pássaro em cinzas,
Reviverei
Em voo limpo

Peito de céu aberto,

Tenho feridas
Ressequidas
Pela fúria com que
Enfrento os dias

**********
Euríale

Caí em águas negras
Ontem à noite,
Átrio aço maciço
Penetrando o breu.

Bestas bioluminescentes
Precipitavam-se ronceiras
Farejando os nós
Entre meus seios.

Miose,
Petrifiquei papilas e ardis
Avioletando a carne
Densa de cada lábio.

Euríale, transmutei a morte
Em meu chocalho dourado,
Circunscrevi muitos nomes
Em minhas escamas.


*********
Voz

Telúrica-antropofágica
Acherontia atropos
Em voo psíquico-onírico
Mariposa posta
Em teus lábios.


**********

Aline Cardoso é mulher negra, feminista, mãe, doula, professora, escritora, editora e dona de casa – bruxa em tempo integral. Nasceu em João Pessoa no dia 23 de Agosto de 1991. Estudou na rede pública de ensino de sua cidade durante a educação básica; Tornou-se mãe de Marina entre 2015 e 2016; Cursou especialização em Língua, Linguagem e Literatura entre 2016 e 2017; Tornou-se organizadora do Sarau Selváticas – de autoria feminina – em 2017; Graduou-se em Letras com habilitação em Língua Portuguesa pela Universidade Federal da Paraíba em 2018 e começou a integrar o Zine Coletivo Sagaz Zine, onde trabalha com poemas e artes visuais; Fundou a Editora Triluna em 2019, visando a publicação de mulheres, principalmente mulheres negras; Em 2020, foi titulada Mestra em linguística na área de Análise do Discurso pelo Proling – UFPB. Escreve para organizar e emaranhar ideias. A proporção áurea do caos, seu primeiro livro, é fruto de quase cinco anos de escrita, timidez, introspecção, descobertas e amadurecimentos, além de, é claro, simbolizar o rompimento com o título de engavetadora de poemas. Momentos e fragmentos da memórias estão agora eternamente livres, das páginas desse livro para o âmago dos leitores. Atualmente a poeta trabalha na publicação do seu segundo livro: Harpia (Triluna, 2020), que será publicado em formato digital em virtude da pandemia de coronavírus..

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Marina Magalhães | três poemas

Prelúdios do afogamento. Para violino. Por fim, quando deixarás de alimentar os teus naufrágios? Me perguntaste sem saber que tripulação alguma deseja a própria morte. Nada podem fazer se a carcaça, já tão cheia de buracos, continua       sempre            a afundar.                   A marcha                   fúnebre faz                   glub.                   glub.                   g                   l                   u                   b. *********** Amor de prateleira Os dias vêm sobrando, transbordadas as horas pelo vidro. Tempo deixado em conserva é salgado demais p...

Beatriz Férre | três poemas

v irtuo sa reclusa, curvada sobre si mesma como a uma  harpa puxa cordas-tempo que vibram aço nylon e sangue e dúvida pirateando o sentir navegando o som talvez  tímida mas  sem pausa:  há somente o instante, janela para o outro, e seu corpo, a  jogar-se *** tussígeno um dia, trombetas soarão anunciando que é chegado o fim e que não há mais solidão ou pelo menos que há algo novo para nos infernizar até lá, é esse fardo - grito sem dono, carro, cubos de luz altos pessoas trancadas olho que vê sem ler  nada mão cheia sem ter  palma morte na capital no interior não sei te dizer  quando penso me engasgo prefiro a violência que não olho se olho não guardo olha aí já quero tossir - o mundo todo entalado  deus um dia engole esse nó que sou  em sua garganta divinal até lá, é mais do mesmo esse fardo *** toalha embaixo do corpo que é para não molhar o assento do carro corta o ar um segredo que carrega em si urgência. mas cuidado. o momento é de s...

Felipe Pauluk | quatro poemas

todo corpo carrega  status de     :   casa estábulo & punhal todo corpo é manjedoura e ameaça um coldre de memórias *** atravessar rios & amordaçar serpentes são vícios inevitáveis para quem acorda preenchendo espaços oblíquos do tórax *** neste exato momento em algum lugar do planeta tem alguém dobrando uma esquina pela última vez carrega aquele sentimento de boca amarga                   boca amarga geralmente é recomeço *** ando com passos contidos como se evitasse escorregar para dentro da minha própria garganta *** Felipe Pauluk é um curitibano residente em são paulo, jogou na loteria da vida e numa quina, tirou o menor prêmio, a literatura. lançou seu primeiro livro, “meu tempo de carne e osso” em 2011. “hit the road, jack”, romance em 2012. em 2015, foi lançado “town”, novo romance do autor. “comida di botequim” e “tórax de são sebastião” foram seus dois livros de poemas public...