Pular para o conteúdo principal

3 poemas de Isabela Sancho



Greve no zoo

Não serás feroz como esperam
os milhos estourados
do outro lado da jaula.
Dividirás teu bife
com as moscas.
Não rasgarás carnes
que não são caças,
nem copularás didática.
Às três da tarde
talvez demonstres
um mijo lateral,
teu sono de costas
com um rabo que não espanta
o tédio aos tapas -
mortífero aos pais
e suas crianças.


**********
Ave

O tempo autoafirmado -
nunca terei uma irmã.
O tempo -
o que sei de ser mãe
é o que noto na minha.
Por entre as pernas,
as marionetistas
botam os seus bonecos
e gritam por eles -
o tempo!
Um parto sem filho -
sempre brinquei de viver
o que não me acontecia
e mantive meu corpo
intacto.
A arte me amará de volta
quando formos velhas?
Nunca saberei o que é ser uma galinha.
Nunca o que é
o próprio pinto entre as mãos.

**********
Chá de bebê

Há tantos hormô
nios no ar
que preciso tomá-lo lá fora
pra não correr o perigo
de meu corpo ser induzido,
sincronizado a contragosto.
Isso já acontece na eliminação,
todas sabemos.
Será que também ocorre
o contágio do contrário?
Minha barriga está chapada de birra.
Será que senti
algo se agitar aqui?
Só minha fome.
Já passou do meio-dia
mas não quero pôr nada pra dentro.
À queda da tarde, uma pomba branca
me ronda em mau agouro,
estupradora,
e eu nego bebês
como nego biscoitos.



os poemas dessa seleção fazem parte do livro Monstera (Urutau, 2019)

**********

Isabela Sancho é autora e ilustradora dos livros de poemas As flores se recusam (Editora Patuá, 2018 - menção honrosa no Prêmio Literário Glória de Sant'Anna 2019, Portugal), A depressão tem sete andares e um elevador (Editora Penalux, 2019 - finalista no Prêmio Guarulhos de Literatura), Monstera (Editora Urutau, 2019), e também da plaquete Quem fala em seu nome (Editora Primata, 2019). Seu quarto livro, Olho d'água, espelho d'alma, foi vencedor do Prêmio Literatura & Fechadura e será publicado pela Editora Folheando em 2020.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Marina Magalhães | três poemas

Prelúdios do afogamento. Para violino. Por fim, quando deixarás de alimentar os teus naufrágios? Me perguntaste sem saber que tripulação alguma deseja a própria morte. Nada podem fazer se a carcaça, já tão cheia de buracos, continua       sempre            a afundar.                   A marcha                   fúnebre faz                   glub.                   glub.                   g                   l                   u                   b. *********** Amor de prateleira Os dias vêm sobrando, transbordadas as horas pelo vidro. Tempo deixado em conserva é salgado demais p...

Francielle Villaça | três poemas

Alongamento A dor nos encurrala para o presente ************ Exercitar o conformismo mesmo que por um instante, ou melhor: ainda que por um instante sobretudo por mais um instante. Não, não atenuaremos o confronto: o conformismo nos atenta ao instante pouco a pouco até que os ossos estalem. ************ O freio de emergência habita alguma extremidade Tudo que é radical é, imanentemente, radical demais. Porque não há raiz sem mergulho. Porque ir até a raiz exige destreza, perícia, coragem. Raiz: palavra aguda. Palavra que destrona qualquer ilusão de fincar vida na superfície. Enraizar é um trabalho árduo. Mas, que em sua essência aguda, não vê outra possibilidade se não fincar. Fincar. Fincar em solo firme, fértil, mas nunca estável. Encurralados, a saída está na profundidade do nosso mergulho. ************* Francielle Villaça tem 20 anos, nasceu e mora em Vila Velha, no Espírito Santo. Atualmente cursa Letras - Português, na Universidade Federal do Espírito ...

Felipe Pauluk | quatro poemas

todo corpo carrega  status de     :   casa estábulo & punhal todo corpo é manjedoura e ameaça um coldre de memórias *** atravessar rios & amordaçar serpentes são vícios inevitáveis para quem acorda preenchendo espaços oblíquos do tórax *** neste exato momento em algum lugar do planeta tem alguém dobrando uma esquina pela última vez carrega aquele sentimento de boca amarga                   boca amarga geralmente é recomeço *** ando com passos contidos como se evitasse escorregar para dentro da minha própria garganta *** Felipe Pauluk é um curitibano residente em são paulo, jogou na loteria da vida e numa quina, tirou o menor prêmio, a literatura. lançou seu primeiro livro, “meu tempo de carne e osso” em 2011. “hit the road, jack”, romance em 2012. em 2015, foi lançado “town”, novo romance do autor. “comida di botequim” e “tórax de são sebastião” foram seus dois livros de poemas public...