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Francielle Villaça | três poemas




Alongamento

A dor nos encurrala para o presente



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Exercitar o conformismo
mesmo que por um instante,
ou melhor:
ainda que por um instante
sobretudo
por mais
um
instante.
Não, não atenuaremos o confronto:
o conformismo nos atenta ao instante
pouco a pouco
até que os ossos estalem.


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O freio de emergência habita alguma extremidade

Tudo que é radical é, imanentemente, radical demais. Porque não há raiz sem mergulho. Porque ir até a raiz exige destreza, perícia, coragem. Raiz: palavra aguda. Palavra que destrona qualquer ilusão de fincar vida na superfície. Enraizar é um trabalho árduo. Mas, que em sua essência aguda, não vê outra possibilidade se não fincar. Fincar. Fincar em solo firme, fértil, mas nunca estável. Encurralados, a saída está na profundidade do nosso mergulho.


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Francielle Villaça tem 20 anos, nasceu e mora em Vila Velha, no Espírito Santo. Atualmente cursa Letras - Português, na Universidade Federal do Espírito Santo. Militante ecossocialista, acredita na literatura como um instrumento para cultivar novas formas de vida coletiva.

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