imagino a sequela da chuva passada
uma cova adentrando a vala
rasa e mais outra e outra
o barro dissolvido à espreita:
qualquer sonata vela teu corpo
a vala o velho a vespa o vírus
abraça a terra,
seu sol gira em torno de nós
gato não pega
rato também não
nem mosca
nem madeira
papéis
escritório
as grandes corporações
o banco
só nós - [antropo]centro do mundo
agora
no entanto, é certa a miséria: aporta no Meireles e vai morrer na Barra.
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a queda do céu ao inferno
[dedicado ao humanismo, e os avanços nem tão queridos da modernidade]
quebrou a máquina,
desnecessário é viajar no tempo
se em cada mão cabe cinco ossos
para cada pessoa
não enterrada.
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o desaparecimento dos bichos é a modernidade
a galinha vai pro abate
eu consciente
de sua morte,
acaricio sua crista
e digo: vai ficar tudo bem
muitos cheiros entre dialetos
macia é a pelagem
sou carinhosa,
sempre canto seu corpo e não
me delicio nas suas coxas
depois de prosseguir a passagem,
toda ida precede a presença
dos bichos no muro da lembrança
e para quebrar um tijolo em partes distintas não se pode usar as mãos.
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o cachorro vai pra morte
não consciente
de seu abate,
agoniza na avenida
me demoro à sua cabeça
a multidão é a mesma
nas batidas que envolvem gente:
se amontoam,
dão dicas
mas não fazem nada
eu mesma me paraliso
até que lhe chego perto,
na orelha esquerda um carinho
e digo: vai ficar tudo bem
mesmo assim morre a galinha
cessa a agonia do cachorro
minha mão tem par com a morte e [também] as carícias
são um prenúncio de seu descanso ou não
ninguém quer ouvir que vai ficar tudo bem ou não
outra é a linguagem dos animais desprezados por seus [donos] fascistas
vinte e cinco vezes em marcha fúnebre
na rua curitiba eu e os bichos
os bichos me levam, em iguais noites chove devastosamente - mas mesmo assim,
o céu é estrelado em fortaleza.
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Ma Njanu é escritora, poeta, assistente social e educadora popular. Nasceu em Fortaleza-CE. Publicou a obra na boca do dragão da américa latina, (2020), de forma independente e também participa de antologias, zines e outras publicações. É idealizadora do Clube de Leitoras na periferia de Fortaleza e da Pretarau - Sarau das Pretas, coletiva de artistas negras, a qual integra e também é produtora cultural.
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